© Copyright Cláudia Félix Rodrigues

10/01/13

A Luz da nossa Sombra


"Há uma história Cherokee antiga sobre o chefe de uma grande aldeia. Um dia o chefe decide que chegou a altura de ensinar ao seu neto favorito os factos da vida. Leva-o para a floresta, fé-lo sentar sob uma velha árvore e explica:

‹‹Filho, há uma luta em curso dentro da mente e do coração de todo o ser humano que hoje está vivo. Apesar de eu ser um velho chefe sábio, o líder do nosso povo, essa mesma luta acontece dentro de mim. Se não souberes que a batalha está em curso, ela enlouquecer-te-á. Nunca saberás em que direcção ir. Na vida, umas vezes ganharás e depois, sem perceberes porquê, de repente sentir-te-ás perdido, confuso e receoso e podes perder tudo o que tanto te esforçaste por adquirir. Pensarás muitas vezes que estás a fazer o que esta certo para depois descobrires que estavas a fazer as escolhas erradas. Se não compreenderes as forças do bem e do mal, a vida individual e a vida colectiva, o verdadeiro self e o falso self, viverás sempre uma vida de grande agitação.

«É como se houvesse dois grandes lobos dentro de mim; um é branco e outro e negro. O branco é bom, generoso e não faz mal. Vive em harmonia com tudo o que o rodeia e não se ofende quando não há intenção de ofender. O lobo bom, estabilizado e forte na compreensão de quem é e do que é capaz, só luta quando é acertado faze-lo e quando tem de o fazer para se proteger a si ou à sua família e, mesmo assim, fá-lo da maneira correcta. Cuida de todos os outros lobos da sua alcateia e nunca se desvia da sua natureza.
«Mas também há um lobo negro que vive dentro de mim, e este lobo e muito diferente.  ruidoso, colérico, descontente, invejoso e tem medo. A mínima coisa provoca-lhe um acesso de raiva. Luta com toda a gente, o tempo todo, por razão nenhuma. Não consegue pensar claramente porque a sua ganância por mais e a sua raiva e ódio são imensos. Mas é uma raiva impotente, filho, pois a sua raiva não muda nada, Arranja sarilhos onde quer que vá, por isso encontra-os facilmente. Não confia em ninguém, portanto, não tem amigos verdadeiros»

O velho chefe senta-se em silêncio durante alguns minutos, deixando a história dos dois lobos penetrar na mente do seu jovem neto. Depois, inclina-se lentamente, olha o neto nos olhos e confessa: «Por vezes, É difícil viver com estes dois lobos dentro de mim, pois ambos lutam arduamente por dominar o meu espírito»
Atraído pelo relato daquela grande batalha interior do seu antepassado, o rapaz puxa pela tanga do avô e pergunta ansiosamente: «Qual dos lobos ganha, avô?›› E com um sorriso conhecedor e uma voz forte e firme, o chefe diz; «Ganham ambos, filho. Se eu optar por alimentar apenas o lobo branco, o lobo negro estara em todas as esquinas a espera de ver se estou em desequilíbrio ou demasiado ocupado para prestar atenção a uma das minhas responsabilidades e atacará o lobo branco, causando muitos problemas a mim e à nossa tribo. Estará sempre zangado e a lutar por obter a atenção porque anseia. Mas, se eu der alguma atenção ao lobo negro porque compreendo a sua natureza, se o reconhecer como força poderosa que é e lhe fizer sentir que o respeito pela sua personalidade e o utilizar para me ajudar, se nós, enquanto tribo, alguma vez nos encontrarmos numa situação difícil, ele ficará feliz, o lobo branco ficará feliz e ganham ambos. Todos nós ganhamos»


Esta história simples e pungente explica a difícil situação da experiência humana. Cada um de nós está empenhado numa luta contínua em que as forças da luz e da sombra se digladiam pela nossa atenção e obediência. Tanto a luz como a sombra residem dentro de nós ao mesmo tempo. A verdade seja dita, há uma alcateia inteira à solta dentro de nós - o lobo carinhoso,o lobo de bom coração, o lobo inteligente, o lobo sensível, o lobo forte, o lobo altruísta, o lobo sincero e o lobo criativo. Juntamente com estes aspectos positivos existe o lobo insatisfeito, o lobo ingrato, o lobo com direitos, o lobo maldoso, o lobo egoísta, o lobo vergonhoso, o lobo mentiroso e o lobo destrutivo. Todos os dias temos oportunidade de reconhecer todos estes lobos, todas estas partes de nós, e podemos escolher como nos relacionaremos com cada uma delas. Faremos o nosso juízo e fingiremos que algumas não existem ou assumiremos a propriedade da alcateia toda?


Por que será que sentimos a necessidade de negar a alcateia que vive dentro de nós? A resposta é fácil. Ou pensamos que eles não existem ou que não deviam existir. Tememos que, se admitirmos todos os selves diferentes que ocupam espaço na nossa psique, sejamos rotulados como esquisitos, diferentes, defeituosos ou psicologicamente fragmentados. Pensamos que devíamos ser boas pessoas ”normais” que são habitadas por uma só pessoa. Mas há muitos selves e a recusa de os aceitarmos é um erro grave - que nos levará a cometer actos estúpidos e imprudentes de auto-sabotagem.

Eis o grande segredo: o nosso self contém muitos selves porque dentro de cada um de nos existem todas as qualidades possíveis. Não há nada que possamos ver, nem nada que possamos julgar, que não sejamos. Somos todos a luz e a sombra, o santo e o pecador, o atraente e o desagradável. Somos todos bondosos e calorosos bem como frios e mesquinhos. Dentro de si e dentro de mim residem todas as qualidades conhecidas da humanidade. Embora possamos não ter consciência de todas as qualidades que possuimos, estão dormentes dentro de nós e podem revelar-se a qualquer momento, em qualquer lugar. Compreendê-lo permite-nos perceber a razão pela qual todos nós, «boas pessoas››, somos capazes de fazer coisas tão más e, mais importante, a razão por que por vezes somos os nossos piores inimigos."

in "Quando as pessoas boas fazem coisas más" de Debbie Ford.

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